Apresentação

O estilo clínico “Ser e Fazer” foi criado no âmbito do Grupo de Pesquisa USP/CNPq Psicopatologia, Psicanálise e Sociedade,

Como integrantes do Grupo de Pesquisa USP/CNPq “Psicopatologia, Psicanálise e Sociedade”, temos atuado na clínica contemporânea, como pesquisadores clínicos, psicoterapeutas e intervisores, atentos a sofrimentos sociais condicionados pela opressão da mulher, pelo racismo e pelo classismo. Chegamos a poder perceber sofrimentos sociais com clareza  por nos termos mantido  atentas às exigências epistemológicas da psicologia psicanalítica concreta de José Bleger, que nos levaram a reconhecer em Winnicott um teórico avesso a abstrações metapsicológicas e capaz de salientar que os pacientes são beneficiados quando tratados por psicoterapeutas que se mantém maximamente presentes, vivos e reais como participantes do acontecer clínico.

Definimos nossa posição como abordagem pós-winnicottiana dos sofrimentos sociais por defendermos que o engajamento com a obra do autor deve se dar a partir de uma abordagem crítica construtiva, ou seja, uma leitura calcada numa conversa que se dá como “trocas de rabiscos”, permitindo um uso criativo e fecundo de sua teorização. Com isso, visamos produzir conhecimentos e práticas que possam contribuir para a superação de situações sociais injustas de exclusão, tanto a partir do fortalecimento daqueles que as padecem como participando do debate transdisciplinar contemporâneo e contribuindo para a diminuição da invisibilidade de variadas formas de sofrimento social. Ademais, com nossos estudos sobre imaginários coletivos, buscamos investigar as condições que interagem com e ajudam a reproduzir – ou transformar – estruturas produtoras de sofrimento social, e os possíveis danos emocionais que as violências cometidas  engendram não só naqueles em posição de desvantagem mas também em quem ocupa a posição de agressor. Assim, acreditamos que o papel teórico, prático e ético da psicanálise deve incluir tanto a função de diagnóstico e crítica social, oferecendo subsídios para o debate – seja para movimentos sociais, seja para a comunidade científica e a sociedade em geral – quanto o fornecimento de enquadres diferenciados que visem a provisão de cuidado emocional, em nível pessoal, grupal, institucional e comunitário. Para tanto, temos nos guiado pela ética de um humanismo radical que adota como foco a construção de condições concretas de vida pautadas em visões mais solidárias e respeitosas, nas quais serão superadas condutas de dominação, exploração e opressão.

A História dos Encontros Brincantes

 A articulação entre a psicologia psicanalítica concreta e as principais teorias winnicottianas, como a do amadurecimento emocional e a do falso e verdadeiro self, gerou o estilo clínico Ser e Fazer, no contexto do qual foram criados dois enquadres clínicos diferenciados: as oficinas psicoterapêuticas de criação e as oficinas de desenvolvimento de capacidades. Ambas tomam, como paradigma, o jogo winnicottiano do rabisco, caracterizando-se pelo uso de materialidades ou atividades mediadoras, de caráter lúdico, em sessões de atendimento ou de entrevistas de pesquisa, durante as quais o holding é adotado como atitude fundamental tendo em vista a constelação de um ambiente terapêutico suficientemente bom, que favoreça a criatividade e a espontaneidade do paciente/entrevistado. Não sendo um maneirismo, que imita caricaturalmente movimentos maternais, o holding se dá por meio da identificação de angústias e defesas, que se vinculam ao desenvolvimento emocional do paciente/entrevistado, baseando-se, portanto, em hipóteses sociodiagnósticas e psicodiagnósticas de caráter compreensivo.

Atendimentos grupais conformes ao estilo Clínico Ser e Fazer concretizaram-se por meio de um Serviço de Atendimento à Comunidade que se manteve ativo no IPUSP entre os anos de 1997 a 2012. Esse serviço também desenvolveu parcerias institucionais, realizando oficinas em serviços de saúde pública e em escolas públicas e particulares. Posteriormente, e até o presente momento, o estilo clínico Ser e Fazer vem sendo utilizado em instituições e na clínica particular.

No âmbito da pesquisa e da pós-graduação stricto sensu, o estilo clínico Ser e Fazer também deu origem à realização de diversas modalidades de investigações de caráter interventivo, articuladas ao redor do uso do método psicanalítico de pesquisa qualitativa. Assim, foram defendidos trabalhos sobre potencialidade mutativa de enquadres diferenciados e sobre imaginários coletivos relativos a condições geradoras de sofrimentos sociais. Esse último tipo de investigação se caracteriza pelo uso de atividades mediadoras que, seguindo os delineamentos básicos do estilo clínico Ser e Fazer, facilitam a realização de entrevistas individuais e grupais em atmosfera maximamente descontraída e brincante. Entre as atividades mais utilizadas, destaca-se o Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema, derivado do Procedimento de Desenhos-Estórias criado por Walter Trinca.

Finalmente, o estilo clínico Ser e Fazer permitiu que fosse configurada, ao longo dos anos, uma transformação nas práticas de supervisão, que se consolidou por meio da articulação entre o modo como se configura a interpretação, na psicologia psicanalítica concreta, e uma adaptação das contribuições de Paulo Freire à prática de reuniões clínicas horizontais. Surgiram, a partir desse movimento, as Rodas Ser e Fazer de Intervisão, que se revelam particularmente fecundas na clínica dos sofrimentos sociais condicionados pela interseccionalidade gênero, raça e classe.

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